segunda-feira, 17 de maio de 2021

O que é o comer emocional? (Blog Nutrição Comportamental)

 




Esta pergunta “o que é o comer emocional?” é para todos aqueles que já pararam para se questionar sobre o que mais, além dos alimentos, colocamos “no prato”, e “embutimos” em nosso comportamento alimentar, e no porquê isso acontece.


E como o próprio título já entrega, sabe-se que nossa relação com a comida é muito mais profunda e complexa do que a obviedade e concretude dos alimentos, com suas características nutricionais e seus apelos sensoriais fazem supor. Ela é enraizada e entremeada por processos emocionais, tanto para o bem, como nem tanto.
Em que públicos o “comer emocional” se torna relevante?

Convivemos hoje com a realidade de que boa parte dos países ainda exibe inaceitáveis números de casos de desnutrição, por faltar acesso aos alimentos, para parte de muitos dos seus habitantes. Em paralelo, constatamos crescentes taxas de sobrepeso e obesidade, às vezes nestes mesmos países, como no próprio Brasil. Os números da obesidade estão escalonando inclusive nos países ricos e desenvolvidos. É claro que quando pensamos em obesidade, temos que considerar, para além dos fatores individuais, todas as questões ambientais e socioeconômicas.

Concomitantemente, em escala menor, mas também preocupante, estão os casos de Transtornos Alimentares, atingindo pessoas com problemas de Anorexia e Bulimia Nervosas, e Compulsão Alimentar para citar apenas alguns deles.

Temos ainda parte da população convivendo com algum tipo de “comer transtornado”, com sintomas ou desconfortos significativos, mas que não chegam a enquadrá-los totalmente em algum dos diagnósticos citados.

Ou seja, são muitas repercussões, nem sempre saudáveis, do “comer”. Mas, se comer é algo universal, vital e natural para o ser humano, porque temos problemas envolvendo aquilo que é trivial, que fazemos várias vezes ao dia, todos os dias de nossas vidas? E porque, em alguns casos, isso pode significar um grande tormento e fonte de sofrimento?
O que é comer emocional?

No que se refere à obesidade e aos Transtornos Alimentares, não podemos desconsiderar que o comportamento alimentar acontece num contexto social e histórico.

Entretanto, focaremos nas questões subjetivas individuais. Acredito que tanto para aquele que está lendo por ser um profissional de saúde, que ajuda indivíduos com desconfortos alimentares, como para aqueles que tem questões pessoais no campo alimentar, pode ser útil refletir sobre o que se convencionou chamar de “comer emocional” e em suas implicações.

O conceito de “comer emocional” que utilizaremos refere-se a um “comer como resposta não a um estímulo de fome, mas sim à um gatilho emocional”, que não precisa ser sentido como negativo (tipo tristeza, raiva ou tédio, por exemplo), mas pode ser disparado inclusive por emoções positivas, tais como alegria ou excitação por algo prazeroso.


Como o comer emocional acontece?

Certas teorias, e também alguns pacientes, declaram que frequentemente a busca pela comida (na ausência da fome fisiológica), ocorre para “se premiar”, para “se confortar”, para aliviar uma dor emocional ou estresse, para “escapar um pouco da realidade” e até como uma forma de autopunição.

Tal constatação pode ser clara para alguns, ou emergir a partir de um gradativo processo de auto-observação. A tentativa de buscar alívio para emoções difíceis e ou a substituição destas por alguma forma de prazer está na base da equação da relação alterada com a comida.

Ela é mediada por diálogos internos entre a voz do prazer e a da razão, cada qual puxando para lados opostos. A busca por prazer neste caso é sim daquele sabidamente fugaz e imediato. Mesmo assim, a estratégia é sentida como efetiva pelo indivíduo e por isso perpetua-se.

Isso pode acarretar sentimentos de arrependimento ou culpa em alguns. No entanto, como o alimento, em especial os mais gordurosos ou açucarados, acionam a área da circuitaria cerebral encarregada das nossas sensações de prazer, o comer emocional acaba cumprindo o papel imediatista e transitório de suprir uma lacuna na busca de prazer ou minimização do desprazer.


A relação com a comida

Então nossa vinculação emocional com a comida é sempre ruim ou perigosa?

De maneira nenhuma, como dito por O. Connor, no livro Quilos emocionais (1) “todos nós somos, em graus diversos, comedores emocionais”. Buscamos afeto, memórias, conforto e prazer sensorial na comida, não só nutrientes, claro!


O que divide o saudável do prejudicial para o indivíduo é a frequência e a intensidade com que o “comer emocional” acontece, além da função que ele passa a ocupar no funcionamento de cada um.

Quando nossa relação com a comida fica predominantemente marcada pelo comer emocional, isso deve ser um sinal de alerta.

Num contexto mais filosófico e existencial, e olhando para a questão do comer emocional de forma ampla, alguns diriam que ela pode ser compreendida como forma de “automedicação” para as angústias através da comida, ou como busca no “externo” daquilo que nos falta internamente. Ou seja, na mesma linha alguns pensadores correlacionam este comportamento com as “patologias do vazio” e do desamparo.

Nossa sociedade contemporânea estaria assim, tentando sanar o vazio existencial, “consumindo excessivamente”, sejam drogas, comida, álcool, produtos, tecnologia, e até informação.

Estas reflexões podem nos ajudar a entender que o comer emocional entraria neste contexto, como uma resposta não adaptativa, acionada como alternativa de regulação emocional, na ausência de estratégias de funcionamento mais saudáveis para o indivíduo.

Para os leitores não profissionais de saúde mental, vale esclarecer que a “regulação emocional” é o processo interno que temos para manejar e responder emocionalmente aos eventos de vida a que estamos expostos, nos ajuda a identificar o que estamos sentindo, como estamos vivenciando, expressando e conduzindo nossas emoções (2).

Esta “bússola interna”, responsável por nossa regulação emocional, parece prejudicada em alguns de nós. E no que se refere ao comportamento alimentar, tal deficiência se expressa na dificuldade ou vulnerabilidade que tais pessoas teriam lidando com os desafios do dia a dia e com as emoções que os acompanham, sentindo-se sobrecarregadas e transferindo tal dificuldade emocional para a relação com a comida.

Consequentemente, surgem aí os comportamentos de exageros alimentares, as restrições, as dietas rígidas e autoimpostas, as fobias alimentares, dentre outras manifestações.

A desrregulação emocional

Um repertório de resposta emocional deficiente pode resultar inclusive de quadros mais complexos, como a “alexitimia”, condição na qual o indivíduo tem como traço uma relevante deficiência para identificar, nomear e expressar seus sentimentos, chegando inclusive a confundi-los com avaliações cognitivas e sensações físicas (fome, por exemplo).

Em um interessante estudo de 2018 (3) os autores investigaram possíveis associações entre o uso de cafeína, a presença de comer emocional e a alexitimia em 224 indivíduos. Constataram que ocorria um consumo de cafeína maior em pessoas com níveis aumentados de alexitima.

Os pesquisadores explicaram que o consumo elevado não se dava pela cafeína em si, mas por envolver bebidas “adoçadas” (tais como chás, cafés, achocolatados e refrigerantes). Detectou-se portanto como razão do consumo aumentado, a desregulação emocional.

O estudo menciona a hipótese de que indivíduos com alexitimia elevada podem engajar-se em ações físicas concretas (comer emocional e compulsões), para manejar a “excitação fisiológica” que gera desconforto e humor disfórico indiferenciado.
O comer emocional e outros problemas relacionados

Observa-se na literatura atual que a influência do comer emocional tem sido investigada nos quadros de todo o espectro alimentar, incluindo-se os diversos Transtornos Alimentares, a Síndrome do Comer Noturno e a obesidade.

Correlações entre comer emocional com quadros de ansiedade, depressão e de impulsividade também têm sido avaliadas. Alguns resultados indicam que o comer emocional está presente em todos os quadros relacionados ao comportamento alimentar, podendo ser um fator mantenedor.

Um estudo que avaliou 1453 estudantes universitários mexicanos (4), e que tinha por objetivo acessar o comer emocional como elemento mediador entre sintomas depressivos e IMC (Índice de Massa Corporal), concluiu que os sintomas depressivos foram associados com comer emocional, tanto em mulheres como em homens – e aparecia associado com aumento de IMC.

Sabe-se que alguns trabalhos também sugerem uma relação bidirecional entre depressão e obesidade (depressão podendo causar obesidade e surgir como consequência).

Altos níveis de impulsividade teriam impacto sobre o sistema inibitório, o que impossibilitaria o indivíduo de resistir aos ímpetos por comida, especialmente como resposta à estados emocionais negativos, conforme observou um trabalho desenvolvido na França, que foi parte de um amplo estudo de segmento, envolvendo 39.997 mulheres e 9.974 homens, adultos (5).

No estudo, buscou-se analisar a influência entre impulsividade , comer emocional e IMC. O comer emocional apareceu positivamente associado com IMC nos dois sexos, mais em mulheres. Constatou-se associação entre comer emocional e IMC maior em homens e mulheres com maiores graus de impulsividade. Quanto mais impulsivos os indivíduos, maior relação entre comer emocional e IMC.

Estudos envolvendo pacientes de pré e pós cirurgia bariátrica, que também investigaram o comer emocional (6,7), apontaram que este acentua o descontrole diante dos alimentos, piorando os prognósticos de tais pacientes e implicando em maior reganho de peso ao longo dos anos. Estes foram alguns exemplos, de uma quantidade crescente de estudos que vem sugerindo que o comer emocional e a regulação emocional devem ser levados em consideração para a prevenção e protocolos de tratamentos mais eficazes e duradouros das questões alimentares.


Como tratar o comer emocional ?

Ao que parece, intervenções focadas exclusivamente no comportamento alimentar expresso são insuficientes e simplistas. Aquelas que consideram as questões emocionais adjacentes ao comportamento como parte da equação tendem a ser mais bem sucedidas.

Portanto, se quisermos, como profissionais oferecer um melhor atendimento, devemos orientar e ajudar nosso paciente a buscar suporte para aprender a acessar, manejar e a ter mais ferramentas para regular suas emoções. Como pessoas, e até como profissionais, tendemos a pressupor, erroneamente que tais habilidades não podem ou não precisam ser desenvolvidas, o que definitivamente não é verdade.

Competências socioemocionais são de extrema importância para a saúde mental e bem estar de todos nós, melhorá-las é um processo em constante evolução, que pode ser iniciado sempre e não tem data para acabar!

Esse texto está disponível neste link . Está neste blog tamanha relevância do assunto.

Autor:

Rogéria Taragano- Psicóloga, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental e aprimorada em transtornos alimentares pelo AMBULIM (IPq–HCFMUSP). Especialista em Emotion Focus Therapy pelo EFT Institute – York University – Canada e mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP.



Referências:

(1) Clerget S. – Quilos emocionais: a influência das emoções no aumento de peso. Lisboa: Sinais de Fogo Publicações 2011.
(2) Dingemans A, Danner V, Parks M – Emotion regulation in binge eating disorder: a review. Nutrients 2017, 9,1274; doi:10.3390/nu 9111274.
(3) Lazarevich I, Camacho MEI, Velazquez-Alva MC, Zepeda MZ – Relationship among obesity, depression and emotional eating in young adults. Appetite 107(2016)639-644.
(4) Lyvers M, Brown T, Thorberg FA – Is it the taste or the buzz? Alexithymia, caffeine and emotional eating. Substance use & Misuse, 2018. doi:10.1080/10826084.2018.1524490
(5) Bénard M, Bellisle F, Etile F, Reach G, Kesse-Guyot E, Hercberg S, Peneau, S – Impulsivity and consideration of future consequences as moderators of the association between emotion eating and body weight status. International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, 2018, 15:84
(6) Wiedmann AA, Ivezaj V, Grilo C. – An examination of emotional and loss-of-control eating after sleeve gastrectomy surgery. Eat. Behav. 2018 December; 31: 48-52 doi:10.1016/j.eatbeh.2018.07.008
(7) Jesus AD, Barbosa KBF, Souza MFC, Conceição AMS – Comportamento alimentar de pacientes de pré e pós-cirurgia bariátrica. Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento. São Paulo. V11.n63.p 187-196. Maio/Jun 2017 ISS 1981-0019


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Até a próxima!




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